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PL 6330/19 e o debate de regras para cobertura de planos de quimioterapia oral

PL prevê cobertura obrigatória de planos depois de aprovação de medicamento pela Anvisa, sem análise da ANS

O projeto de lei 6.330/2019, de autoria do senador Reguffe (Podemos-DF), foi aprovado por unanimidade no Senado em junho e aguarda para ser votado na Câmara dos Deputados. O texto prevê que os planos de saúde sejam obrigados a cobrir custos de medicamentos usados em tratamentos de câncer a partir do momento em que o remédio for aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Atualmente, a cobertura se torna obrigatória após avaliação de tecnologias de saúde (ATS) e a inclusão do medicamento no Rol de Procedimentos e Eventos de Saúde, atualizado a cada dois anos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

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O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por enquanto não se manifestou publicamente quanto à possibilidade de pautar o texto. A relatora da matéria, deputada Silvia Cristina (PDT-RO), disse ao JOTA que não pretende alterar o texto para evitar que ele volte ao Senado. Silvia Cristina vem questionando Maia sobre a previsão de quando o tema será votado, mas até agora não obteve retorno. Se o projeto de lei for pautado antes da volta do funcionamento das comissões na Câmara, a tramitação será mais célere, somente com votação em plenário.

A relatora tem uma expectativa boa com relação à força do projeto de lei. “Temos um grupo grande, de mais de 200 parlamentares que apoiam o projeto”, diz a deputada Silvia Cristina.

A Câmara de Saúde Suplementar (CAMSS) está realizando discussões sobre o processo de incorporação de procedimentos no rol de planos de saúde. Segundo a ANS, ao final dessa rodada de debates a agência deverá formalizar um parecer para ser enviado ao Congresso e aos participantes do CAMSS.

Entre os defensores do projeto de lei, o principal argumento é que hoje há uma demora muito grande na avaliação da ANS. “Há remédios que são únicos para evitar que o câncer cresça, evitar que o câncer volte ou para aumentar a curabilidade e sobrevida”, afirma Fernando Maluf, oncologista fundador do Instituto Vencer o Câncer, que fez um abaixo assinado com mais de 150 mil assinaturas a favor do projeto de lei.

“Mais de 50 mil brasileiros por ano são prejudicados ou com a vida ou com o sofrimento de um câncer que não está sendo bem tratado, aumentando o número de internações, complicações e qualidade de vida”.

Já aqueles que se opõem ao projeto de lei citam as implicações de liberar um medicamento sem a realização criteriosa de avaliação de tecnologia. “A avaliação de tecnologia é a peneira, a forma correta de fazer a escolha com base em dados, em ciência, em informação. Isso protege a sociedade, protege as pessoas”, afirma Vera Valente, diretora-executiva da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde). “Esse é o processo que baliza a escolha da forma mais equilibrada possível no Brasil e em outros países”.

 

Morosidade da ANS

 

A cobertura de antineoplásicos de uso oral por planos de saúde passou a ser obrigatória com a lei 12.880/2013. De acordo com a norma, a lista de medicamentos com cobertura depende de “protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas, revisados periodicamente, ouvidas as sociedades médicas e especialistas da área, publicados pela ANS”.

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Ou seja, os medicamentos precisam de aval da Anvisa e da ANS, que tem um Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde. A resolução normativa 439/2018 estabelece que esse rol é atualizado a cada dois anos.

“Não tem cabimento ter que passar por duas agências reguladoras do governo, isso é uma burocracia desnecessária”, diz o senador Reguffe, autor do projeto de lei 6.330/2019.

Para aqueles que consideram a avaliação de tecnologias de saúde fundamental, há críticas sobre a demora no procedimento na ANS. “A gente avalia que dá para prestigiar o processo de avaliação de tecnologia, mas acelerar o processo”, defende Tiago Matos, diretor de advocacy do Instituto Oncoguia. “A janela de submissão para o atual processo [de atualização do rol] terminou no dia 5 de maio de 2019”, lembra. “O que eu pedi até 5 de maio de 2019 pode eventualmente entrar no rol que vai começar em 2021. Se algum medicamento foi registrado na Anvisa no dia 6 de maio de 2019, ele só vai entrar no rol em 2023”.

A avaliação dos medicamentos que serão usados no SUS é feita pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), onde o prazo máximo é de seis meses. “Acho que temos uma oportunidade de começar a unificar os processos e termos uma agência única de avaliação de tecnologia”, diz Matos.

O oncologista Fernando Maluf, do Instituto Vencer o Câncer, avalia que diminuir os prazos seria uma alternativa melhor do que a atual. “Mas para quem tem câncer, é muito longe do ideal”, pondera. “E não houve punição quando o prazo foi maior do que dois anos. Das últimas vezes foram intervalos de três anos e meio”.

“Ainda que você diminua o prazo entre a Anvisa e a ANS, ainda assim você teria uma demora com pacientes com câncer, que às vezes não podem esperar”, diz o senador Reguffe.

 

Cobertura atual

 

Atualmente, o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde tem 43 medicamentos indicados para quimioterapia oral. De acordo com nota enviada pela ANS ao JOTA, “a lista de coberturas está em processo de atualização, e outras 41 sugestões relacionadas a antineoplásicos orais estão em análise”.

A diretora-executiva da FenaSaúde, Vera Valente, destaca que há hoje nove drogas de tratamento de câncer fora do rol. “Sendo que dessas nove, três não têm sequer preço na CMED de tão novas que são, e uma está registrada desde 2017 e provavelmente não tem condições de ser incorporada”, explica. “No final, temos cinco produtos que foram registrados depois do início do rol em 2019”, diz. “Então, sim, o paciente com câncer com plano de saúde tem acesso aos oncológicos orais”.

 

Avanço da quimioterapia oral

 

Os avanços da medicina e das pesquisas farmacológicas fizeram com que o tratamento de câncer hoje seja, predominantemente, com remédios via oral. “Mais ou menos 70% dos medicamentos contra o câncer são orais e a tendência é que esse percentual no futuro seja maior. A maioria dos remédios orais não tem nenhum substituto endovenoso, são únicos”, explica o oncologista Fernando Maluf.

Além disso, os efeitos colaterais dos tratamentos estão se tornando menos nocivos.

“Foi diminuindo o número de drogas tóxicas gerais e foi aumentando o número de drogas que não são tão tóxicas e são de uso terapêutico específico do ponto de vista molecular”, diz Artur Malzyner, oncologista do Hospital Albert Einstein e consultor científico da Clínica de Oncologia Médica.

“A toxicidade está perdendo lugar como preocupação. O que está ganhando lugar como preocupação são os custos”.

A reportagem do JOTA apurou os custos de alguns desses medicamentos. O Ibrance, usado no tratamento de câncer de mama, custa R$ 22 mil; o Keytruda, receitado para pacientes com câncer de pulmão, custa R$ 20 mil; e o Afinitor, usado para tratamentos de câncer renal com metástases tem o valor de R$ 15 mil.

O diretor-executivo da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, Renan Clara, defende que a análise da ANS leve em consideração a possibilidade de negociar os preços dos medicamentos. “Existe um processo criterioso de análise de impacto orçamentário e de análise de custo e efetividade, mas aquele preço é o preço cheio, o preço de tabela”, explica. “Você não discute ali a possibilidade de descontos, você não pressiona o detentor do registro, não existe a possibilidade de negociação de preço nesse processo de atualização do rol”.

 

Regras diferentes com endovenosos

 

Os medicamentos endovenosos usados no tratamento de câncer precisam somente de aprovação da Anvisa para terem cobertura obrigatória de planos de saúde.

“Se o aval da ANS é importante, então que se faça para os endovenosos também”, diz o oncologista Fernando Maluf.

Para a diretora-executiva da FenaSaúde, os medicamentos novos endovenosos também deveriam ser obrigados a passar por análise da ANS: “O erro não está em não colocar os orais no automático, o erro é o infusional estar no automático, deveria entrar tudo no processo de incorporação”, afirma Vera Valente.

 

Judicialização

 

Advogada Renata Vilhena Silva

É comum pacientes de doenças graves, não só de câncer, acionarem a Justiça para que planos de saúde arquem com os custos de remédios que ainda não estão no rol da ANS.

Quem entra com processo costuma ter decisões favoráveis. “A Justiça tem entendido que o rol é exemplificativo, não é porque não está no rol que não consta”, revela Renata Vilhena, advogada especialista em direito à saúde.

A questão, no entanto, ainda não está pacificada.A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai decidir se o rol de procedimentos é taxativo ou exemplificativo. O tema foi suscitado após as duas turmas de Direito Privado da Corte constatarem que possuíam entendimentos divergentes. Enquanto na 3ª Turma a tendência é de que o rol deve ser exemplificativo, a 4ª Turma firmou posição de que ele é taxativo. Ainda não há previsão para o julgamento entrar em pauta.

Os advogados costumam citar como argumento o artigo 196 da Constituição, que diz: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

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Em nota enviada ao JOTA, a Associação Brasileira de Planos de Saúde também cita a Constituição ao justificar porque se opõe ao projeto de lei: “O projeto de incorporação de novos medicamentos que se discute em Brasília prevê a cobertura somente por plano de saúde ferindo a nossa Constituição, quando a maioria da população brasileira não teria acesso a essas coberturas por ser exclusivamente dependente do SUS”.

Fonte: Jota



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