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Em decisão inédita, Unimed Petrópolis entra em recuperação judicial

RIO – Em crise financeira há mais de uma década, a Unimed Petrópolis teve aceito o seu pedido de recuperação judicial numa decisão inédita que, segundo especialista, abre uma brecha na lei 11.101, que veda o uso desta ferramenta jurídica a cooperativas e operadoras de saúde. Para os consumidores, no entanto, dizem os advogados, nada muda.

A avaliação, inclusive, é que abrir a possibilidade das empresas do setor recorrerem à recuperação judicial, é mais saudável para a economia e também para os usuários da saúde suplementar, pois uma das condições para o uso desse dispositivo é que as atividades não sejam paralisadas. A decisão, no entanto, é de primeira instância e ainda pode ser reformada.

Desde abril de 2009, a Unimed Petrópolis está sob regime de direção fiscal. O expediente é decretado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em casos que se verifica anormalidades graves de natureza administrativa ou econômico-financeira, que ponham em risco a continuidade ou a qualidade do atendimento à saúde dos seus usuários.

Por duas vezes, em 2013 e 2014, a agência determinou a alienação da carteira da cooperativa, que consiste na transferência dos clientes à outra operadora. Em ambas às vezes, a cooperativa conseguiu, na Justiça, deter o processo de liquidação.

Com 36 mil beneficiários e mais outros dez mil de outras cooperativas do sistema que fazem uso da sua rede na cidade, a Unimed Petrópolis acumula uma dívida tributária de R$ 320 milhões, sendo R$ 45 milhões incluídos no Programa de Especial de Regularização Tributária do Governo Federal. Na recuperação judicial serão tratados outros débitos, que somam R$ 25 milhões. Nesta conta estão incluídas, por exemplo, dívida com um prestador de serviço e provisionamento de ações.

Segundo o presidente da cooperativa, Rafael Gomes de Castro, a empresa tem problemas financeiros, mas não assistências. Apesar de quase uma década sob regime de direção fiscal, o executivo alega que as possibilidades apresentadas pela agência para recuperação são restritas e o tempo é curto para promovê-las.

— A recuperação judicial nos dará outra caixa de ferramentas, há mais maleabilidade e mais tempo para que possamos consolidar os novos dados econômico-financeiros e as melhoras dos indicadores que já começamos a registrar — diz Castro, acrescentando que a cooperativa, que acumulou R$ 50 milhões de prejuízo entre 2012 e 2016, registrou lucro de R$ 1,7 milhão em 2017 e de R$ 4,5 mihões no primeiro semestre deste ano.

Advogados especializados em saúde, Rafael Robba, do escritório Vilhena Silva Advogados, e Ana Carolina Navarrete, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), não enxergam prejuízos ao consumidor que possam ser provocados para adoção da recuperação judicial pelo setor de saúde suplementar. No entanto, ambos se preocupam com o papel que a ANS terá nesse processo.

— A ANS precisa estar envolvida para garantir, entre outros direitos do consumidor, a manutenção do atendimento aos usuários do plano, que novos clientes não possam ser aceitos se a assistência não estiver adequada e até a portabilidade da carteira se a recuperação judicial não chegar a bom termo — explica Robba.

Só saem perdendo, diz Ana Carolina, aqueles consumidores que têm indenizações judiciais a receber da empresa, pois neste caso, entram para fila de credores e não serão prioridade para o pagamento.

Especialista em recuperação judicial, a advogada Juliana Bumachar, do Bumachar e Advogados Associados, vê a decisão favorável a recuperação judicial da Unimed Petrópolis com naturalidade.

Os tribunais, explica, vêm caminhando nessa direção, assim como há um movimento no Congresso por mudanças na lei no sentido de reduzir restrições ao uso do dispositivo.

— A tendência é se tratar de agentes econômicos, não importando se é uma empresa S.A. ou limitada, mas se exerce uma atividade econômica organzida, o que se aplica as operadoras de saúde, cooperativas como a Unimed, também a escolas e clubes de futebol. Trata-se de uma interpretação mais moderna, mais atual.

É importantissímos dar possibilidade das empresas negociarem seu passivo e continuar mantendo a sua atividade, isso beneficia a todos — avalia Juliana que também defende que, numa atualização da lei de recuperação e falência, que as agência reguladoras tenha um papel definido no processo.

A ANS, por sua vez, afirma que, em princípio, a recuperação judicial não interfere diretamente na sua atuação. Na visão da agência, no entanto, a decisão favorável à recuperação judicial da Unimed Petrópolis é prejudicial ao setor de saúde suplementar.

A reguladora ressalta que “conjugada com sucessivas decisões judiciais que vêm impedindo as ações regulatórias da ANS na tentativa de transferir compulsoriamente a carteira de beneficiários para outra operadora, a medida manterá no mercado uma operadora que comprovadamente apresenta gravíssimas anormalidades administrativas e econômico-financeiras, colocando, assim, em risco a qualidade e a continuidade do atendimento à saúde de seus beneficiários.” Atualmente, 56 operadoras estão sob regime de direção fiscal.

O desembargador Cesar Cury discorda. Para ele, a recuperação judicial pode ser conjugada à mediação, o que possibilitaria que, com um manancial maior de instrumentos, empresa, agência e Ministério Público se sentem à mesa para debater uma saída que viabilize a continuidade da cooperativa no mercado:

— Se fizemos isso com a Oi, porque não seria possível com uma operadora de saúde. Não podemos negar a uma empresa instrumentos para a sua recuperação. Vamos deixar quebrar para depois ter constituir outra de novo? Não faz sentido.

Consultada Unimed Brasil, representante institucional do Sistema Unimed, formado por 345 cooperativas de gestão autônoma, afirma que “a autorização recebida para que a Unimed Petrópolis entre em recuperação judicial é um evento local, relacionado unicamente com essa singular”.

Segundo a instituição, a obtenção da autorização para recuperação judicial é mais uma oportunidade de a cooperativa dar continuidade ao trabalho que vem realizando para normalizar sua situação econômico-financeira.

 

Fonte: O Globo



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